Árbitro – Carlos Dinis, de Lisboa

 

U. TOMAR – Silva Morais (0); Kiki (1), Calado (0), Faustino, «cap.» (2) e Carvalho (1); Sarmento (1), Barrinha (3) e Florival (1); Pavão (1) (76m – Fernando (1)), Camolas (1) e Bolota (1) (61m – Caetano (2))

 

 

BOAVISTA – Botelho (1); Trindade (2) (61m – Lobo (2)), Mário João, «cap.» (2), Carolino (3) e Alberto (2); Taí (1), Alves (2) e Acácio (2) (45m – Rufino (2)); Francisco Mário (2), Mané (1) e Salvador (2)

0-1 – Francisco Mário – 81m
0-2 – Rufino – 87m

 

 

 

 

 

Substituições: Bolota, lesionado, por Caetano (2), aos 61 m, e Pavão por Fernando (1), aos 76.

 

Substituições: Acácio por Rufino (2), ao intervalo, recuando Francisco Mário para o meio do campo, e indo o guinéu ocupar o lugar do ex-montijense no ataque «boavisteiro», e Trindade (a coxear) por Lobo (2), aos 61 m.

 

Resultado ao intervalo: 0-0.

 

0-1 aos 81 m. Livre apontado por Mané, à entrada da área tomarense, do lado direito, a punir falta, de existência um tanto controvertida, de Barrinha sobre Alves, tocada pelo brasileiro, passa por entre as pernas de Calado, e Francisco Mário, à boca da baliza, completamente desmarcado face a Silva Morais, não tem a mínima dificuldade, ante a apatia deste, em fazê-la chegar, com um leve toque, ao fundo das redes.

 

0-2 aos 87 m. Lobo chega com a bola até à linha de fundo, pelo flanco direito, centra para cima da baliza, Silva Morais, mal situado, vê a bola passar-lhe por cima, fora do alcance do braço não tendo Rufino, que acorrera junto ao poste contrário, senão, já em cima do risco final, que dizer sim à bola e aconchegá-la às redes.

 

E assim perdeu o União, ingloriamente, um jogo, em que bem poderia ter ganho um ponto!

 

O desabafo surpreendido à saída do agora designado Estádio 25 de Abril, na chuvosa tarde de sábado, reflecte bem o desencanto e a frustração com que o público de Tomar acolheu, a nove minutos do termo do encontro, a certeza da derrota do seu União, depois de ter encontrado, ao longo de uma boa parte da partida, sobejos motivos para acreditar, já não se dirá numa vitória mais ou menos sensacional, sobre um dos «leaders» da prova, mas ao menos numa equitativa divisão de pontos.

Poder-se-á agora, em homenagem a um certo sentimento de realismo que tem vindo a assentar arraiais na crónica desportiva, dizer que agora além de quanto decorre de justo e de razoável de um tão confessado desencanto, haverá aí também, e sobretudo, um certo simplismo que passa pela ignorância, propositada ou não do mérito, que mau grado tudo ao Boavista assistirá em tal vitória.

A equipa de Pedroto conquistou os dois pontos mercê de um claro triunfo, que se expressou pela margem tranquilizante de dois golos, obtidos em circunstâncias perfeitamente legais, muito embora um deles, o primeiro, tenha nascido, conforme se apontou já a seu tempo, de um livre de discutível oportunidade mas que nós, em todo o caso, não discutimos pela simples razão de não podermos assegurar a inexistência de comportamento faltoso por parte de Barrinha.

Filia-se o descontentamento e a frustração da gente de Tomar numa circunstância bem diferente; é que, tendo o triunfo do Boavista assentado em dois golos obtidos, afinal de acordo com as normas que estruturam o jogo, eles foram ambos consentidos por um certo sector da defesa do União!

Não estamos (já) numa discussão de mérito que a seu tempo terá lugar, importa ir adiantando a forma idónea e conseguida, encontrada pelo União de Francisco Andrade para se opor ao poderoso e temível Boavista de Pedroto, que tem vindo a continuar a ser uma das grandes sensações deste Campeonato.

Jogando embora em «casa» facto de que se usa fazer decorrer todo um imenso rol de vantagens, não ousou o União, em todo o caso, uma aberta estratégica, capaz de se apresentar, à partida, como uma ponte para a vitória. Bem ao contrário disso a turma de Tomar pareceu sempre mais apostada em contrariar os desígnios de um adversário que sabia ser capaz de superá-la em variadíssimos aspectos, do que entregar-se ela própria a iniciativas de rentabilidade mais do que duvidosa.

Quer isto dizer que o União tomou cautelas – a primeira e a mais conseguida das quais foi mover a um Alves bem menos buliçoso do que é uso ver-se-lhe, uma marcação que começou logo às três horas da tarde, e que só findou com o derradeiro apito do árbitro. Dela se encarregou o jovem Barrinha, com uma eficiência que só dificilmente poderia ter sido excedida.

Mas não se ficou por aí o União. Sendo Alves o «motor», anulá-lo, era, pelo menos, uma tentativa que se impunha. Mas o Boavista não é apenas Alves: é também (em termos de manobra) Taí, é Francisco Mário, é, enfim, Salvador.

Para todos eles foram adoptadas medidas de eficiência mais ou menos conseguidas. Tanto que Taí, talvez perturbado também pela convocação recente para os trabalhos da selecção, não adregou nunca, e na primeira parte menos ainda do que na segunda, a eficácia que habitualmente se lhe reconhece. Francisco Mário, «exilado» durante os primeiros quarenta e cinco minutos de jogo na extrema-direita, foi outro homem que poucas possibilidades teve de mostrar o seu actual apuro de forma. Enfim Salvador, vigiado também muito em cima, esteve longe de ser o «jongleur» que chegou a ser disputado no último final de temporada por alguns dos grandes clubes portugueses.

E aconteceu isso porquê? Unicamente por mérito da manobra adoptada pelo União? É evidente que, sendo verdade que uma equipa joga, afinal, aquilo que a outra a deixa jogar, a turma do Boavista terá encontrado umas tantas ou quantas dificuldades face ao estilo de jogo adoptado pelo União. Mas é claro que fazer decorrer daí, por forma inteira, a explicação para o relativo malogro exibicional que marcou a passagem por Tomar do Boavista de Pedroto, constituiria grosseiro exagero. Para além do processo de jogo adoptado pelo União, que eventualmente até pouco terá de novo para além das cautelas habitualmente adoptadas por quem se tem que haver com a equipa de Pedroto, houve pelo menos, a lembrança de uma quarta-feira próxima, a aconselhar a adopção de especiais cautelas, e houve também, e de forma acentuada, as ausências de Celso e de Barbosa, que não terão chegado a ser devidamente compensadas pelo regresso de Mané.

 

De tudo isso procurou o União recolher dividendos sem nunca esquecer que, sendo o Boavista um dos potenciais candidatos ao título, ou, pelo menos apresentando-se como tal, competia-lhe tomar iniciativas – enquanto à equipa de Tomar mais se não podia exigir que a tentativa de malograr os resultados.

Se isso nem sempre resulta fácil, pode dizer-se que o União conseguiu com merecimento esse objectivo durante os primeiros quarenta e cinco minutos de jogo. A ponto de o Boavista, que gastou (é o termo) uma boa parte de tal período a carregar no ataque, apenas ter disposto de uma única oportunidade de golo; foi quando Taí, descaído para o flanco direito, passou por Kiki, e, sem mais ninguém a estorvar-lhe o caminho, atirou por forma a fazer a bola passar junto do poste mais desviado da baliza de Silva Morais.

Sem garra, sem fibra, banalizando-se em tentativas de ataque sempre condenadas ao veto, ora de Calado, ora de Faustino quando não de um dos dois «laterais», o Boavista nunca conseguiu ser, ao longo da primeira parte, o «guia» sereno, cônscio das suas possibilidades, que se entrega à disputa imediata de um jogo com o sentido imediatamente colocado nessa outra meta mais distante e menos tangível que é o Campeonato.

Bem ao contrário disso, a equipa de Pedroto, que na defesa se mostrou sempre à altura de resolver os poucos problemas que lhe foram criados por um União mais afoito do que propriamente eficiente, revelou, do meio campo para a frente, uma dificuldade de manobra, enfim, uma ausência de sentido de penetração, que nem mesmo os muitos factores condicionantes que terão determinado a menor eficácia da sua actuação, se explicarão totalmente. É que de um «guia» que não é «guia» por acaso, exige-se mais do que boas intenções.

Se, no começo da segunda parte, a entrada de Rufino não veio resolver um problema que, tendo no eixo de ataque os seus reflexos mais notórios, se arrastava lá de trás, do meio do campo, onde nem Alves se mostrava à altura do seu melhor, nem Taí se revelava o médio de que a equipa necessitava, a verdade é que a colaboração do guinéu conjugada com um melhor aproveitamento de Francisco Mário na zona do meio do campo, vieram garantir à equipa uma maior produtividade, embora sem a consequente e imediata tradução em golos. O que se compreende, porque chegar nem sempre implica ver e vencer.

É certo que a equipa de Pedroto se terá passado a mostrar um tanto mais incisiva – o que em última análise, até poderá ser a resultante de uma maior aplicação, conjugada com um certo desgaste que a partir de uma determinada fase se terá começado a surpreender nos homens de Tomar. Mas ainda aí se lhe não vislumbrava o rasgo, a audácia, o empenhamento eficiente capaz de a conduzir irreversivelmente, à baliza, ao golo, ao triunfo.

Foi então que aconteceu o golpe de teatro. Faltavam nove minutos para o termo do encontro, foi assinalada uma falta junto à entrada da área de Tomar, Mané, encarregado da sua marcação, fez correr a bola junto à relva na direcção da baliza, Calado, inexplicavelmente, deixou-a passar por debaixo das pernas, o que terá surpreendido Silva Morais mas não surpreendeu Francisco Mário, que colocado mesmo em frente do guarda-redes não experimentou dificuldades em atirar, inapelavelmente, para o golo.

Para o União que tanto tinha pugnado pela repartição dos pontos, este golo, surgido a nove escassos minutos do termo do encontro não foi apenas um balde de água fria: foi o ruir de todas as esperanças, foi a descrença, foi o desânimo, e daí a relativa naturalidade com que poucos minutos depois se viu o segundo, agora com culpas por inteiro para Silva Morais, e a dois minutos do final esteve mesmo à beira de acontecer o terceiro, quando Calado se viu desacompanhado, com quatro homens do Boavista pela frente. Valeu, nessa altura, a saída de Silva Morais, que embora «driblado» por Rufino, possibilitou o posicionamento de Barrinha, que acabou, afinal, por repelir a bola para longe, afastando o perigo.

Dito tudo ou quase tudo quanto sobre o jogo importaria dizer, haverá que fazer agora breves referências de ordem individual antes de mais para a defensiva do Boavista, que, sem ter encontrado problemas demasiado complicados se houve sempre a contento e com muito acerto (Carolino, sóbrio e dando pouco nas vistas, esteve sempre muito bem) ao empenho de Acácio  e de Taí ainda que o amarantino não tivesse atingido o nível exibicional a que nos habituou, e naturalmente muito por razões de ordem posicional, enfim a mobilidade e o sentido dos espaços livres de que deu mostras Rufino, um homem que foi de grande utilidade a Pedroto e que em alguma medida influenciou a vitória da sua equipa. Os restantes em plano aceitável, excepção feita a Botelho, que, sem ter chegado a sofrer qualquer golo, teve dois ou três lapsos que se não consentem nem justificam a um guarda-redes da sua categoria.

Na equipa de Tomar, Barrinha, com uma marcação muito atenta e muito eficiente sobre Alves, foi o homem de melhor rendimento, seguido do «capitão» Faustino que teve papel preponderante na cobertura da sua área. Calado, com uma exibição afinal também aceitável, comprometeu-se irremediavelmente no primeiro golo o mesmo acontecendo com Silva Morais, esse com a agravante de ter estado nos dois – embora no segundo lhe possam ser apontadas maiores responsabilidades do que no primeiro.

A equipa lisboeta chefiada por Carlos Dinis teve um trabalho em tudo aceitável, muito embora não isento de erros – mas erros de pormenor, daqueles que acontecem a todos os árbitros, e que são, portanto, em tudo desculpáveis a quem cabe a ingrata missão de julgar das intenções dos outros.»

 

(“A Bola”, 03.11.1975 – Crónica de Carlos Sequeira)