Estádio Municipal de Tomar
Árbitro – Augusto Bailão, de Lisboa
U. TOMAR – Silva Morais (0); Carvalho (1), Calado (1), Faustino (1) e Fernandes (1); Florival, ex-Farense (2), Zeca (0) (74m – Camolas (-)) e Barrinha (2) (45m – Nhabola (1)); Pavão (1), Águas (2) e Bolota (1)
BOAVISTA – Botelho (0); Carolino (1) (45m – Francisco Mário (3)), Mário João (2), Amândio (2) e Trindade, ex-Comércio e Indústria, de Setúbal (2); Celso (3), Alves (3) e Barbosa (2); Zezinho (1) (45m – Acácio (2)), Salvador (3) e Mané (0)
0-1 – Francisco Mário – 68m
1-1 – Pavão – 75m
1-2 – Salvador - 85m
«Suplentes: Nhabola, ex-Académica (1), Camolas (-), Machado, Raul e Cardoso.
Suplentes: Francisco Mário (3), Acácio (2), Barrigana, Alberto e Moura.
Castigos: «Cartão amarelo» a Bolota e Celso, respectivamente, a cinco e dois minutos do final.
Ao intervalo: 0-0.
Na segunda parte: 1-2.
Após o intervalo, Nhabola apareceu no posto de Barrinha (no Tomar) e Francisco Mário e Acácio ocuparam respectivamente os lugares de Carolino e Zezinho, no Boavista.
Aos 10 minutos, Mané isolou-se na área e foi derrubado pelas costas por Faustino. «Penalty» indiscutível, que o árbitro não assinalou.
Aos 23 minutos, 0-1, por Francisco Mário. O extremo do Boavista, internou-se do flanco para o centro, evitando dois adversários e, de longe, rematou rasteiro, ainda de fora da área. Silva Morais confiou no golpe de vista ficando a olhar a bola, que entrou, rente ao relvado, pelo seu lado esquerdo.
Aos 24 minutos, um cruzamento longo sobre a área do U. Tomar deixou Mané e mais dois colegas isolados diante de Silva Morais, a cerca de cinco metros deste. O remate de cabeça do brasileiro saiu, incrivelmente, ao lado do poste.
Aos 29 minutos, Zeca cedeu o lugar a Camolas.
Aos 30 minutos, 1-1, por Pavão. «Corner» apontado da esquerda por Águas, Botelho a sair mal da baliza, Florival a tocar de cabeça, Botelho a «nadar» e Pavão a fazer a recarga para a baliza.
Aos 40 minutos, 1-2, por Salvador. Grande jogada do brasileiro que captou a bola no meio-campo adversário, driblou dois defesas, sempre na passada, e rematou primorosamente por cima do guarda-redes, marcando um golo de execução primorosa.
Resultado final: 1-2.
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As estradas cheias de gente. Não, não era uma romaria por causa da bola, era uma romaria por outro motivo muito mais sério. Era a gente que ia até à Brugueira, a escassos cinco-dez minutos do estádio onde se realizava o Tomar-Boavista, para homenagear a memória de um homem sem medo que lutou pelos seus ideais até à morte. Não terá sido um homem que lutou totalmente pela liberdade, devido às suas ideias quanto às colónias, mas, de qualquer forma, lutou pela liberdade de alguns, o que já não foi pouco, numa época em que em Portugal, os únicos «livres» que havia eram os directos ou indirectos.
…Mesmo assim, o estádio oferecia um bom aspecto. Muita gente para ver o jogo, dado que ainda há gente que gosta de ouvir o José Esteves, mas não na hora em que há assuntos de actualidade a ocorrer. Se o dia tem vinte e quatro horas, e a semana sete dias, porque será que hão-de transmitir as entrevistas de interesse, à hora e no dia em que as pessoas não as querem ouvir…
E como queriam saber o que se passava, lá tiveram que ir ao estádio, para acabarem por sair profundamente desiludidas com um Tomar que pratica um futebol «ad hoc», muito próximo, ainda, da segunda divisão donde a equipa saiu ainda há bem pouco, e de cuja influência ainda não terá tido tempo para se libertar, só em dois jogos…
Os apreciadores de bom futebol, no entanto, terão gostado de ver uma excelente equipa do Boavista a espalhar pelo campo, um belo futebol, muito bem arquitectado, sempre de ataque, sempre com os seus jogadores a terem a baliza nos olhos.
Assim-assim
O Tomar foi respondendo como pôde e, no primeiro tempo, ainda conseguiu ripostar com um meio campo a defender-se melhor que na segunda parte, em que, com a saída de Barrinha, perdeu um dos seus dois jogadores esclarecidos nesse sector, ficando aí, apenas com Florival, que bem correu o campo todo à procura daquilo que a sua equipa não tinha capacidade para alcançar.
Na primeira parte, ainda Bolota conseguiu criar alguns lances de perigo na zona da jurisdição de Carolino, com Barrinha e Florival a entenderem-se muito bem no meio-campo, mas com Zeca nitidamente incapaz de assumir a função que parece quererem impor-lhe à força e na qual fracassou em toda a linha.
Por banda do Boavista, Mário João um pouco lento no centro, mas seguramente já com alguns quilos a menos daquilo que se lhe via, anteriormente e apenas a nota discordante de Carolino não se entender com Bolota quando este lhe aparecia pelo seu flanco em tabelinhas bem feitas com Pavão.
No entanto, sempre que os homens do Norte se apossavam da bola, criavam logo muito mais perigo que os seus adversários e desenhavam um futebol que os tomarenses não eram capazes de acompanhar. Equipa muito bem postada no terreno, com uma dinâmica que não é vulgar ver-se nas nossas equipas, os jogadores servidos por uma condição física excepcional, desenharam um futebol espectacular, em que a procura do golo foi sua preocupação dominante. Jogando a toda a velocidade, em todo o terreno, o Boavista, com a bola em seu poder, foi uma equipa que teve momentos de grande brilhantismo e que permitem cotá-la ao nível das turmas que praticam um futebol que mais tem em conta o público que paga o seu bilhete e quer ver futebol bem jogado e, sobretudo, quer ver golos.
Por alguma razão, neste momento, o Boavista é uma das três equipas (Guimarães e Benfica) que mais golos marcou até agora no campeonato.
No entanto, quando a equipa não tem a bola, notam-se ainda, algumas deficiências na sua defesa, com Mário João (agora a fazer lembrar Matine nalguns lances) a passar por algumas dificuldades sempre que os adversários (poucas vezes) aumentavam o ritmo de jogo porque Carolino parece inadaptado ao lugar.
«Festival»
Apesar de o Boavista ter sido, já, superior na primeira parte, no segundo tempo, então, a sua superioridade, foi muito mais notória, não só porque o Tomar desceu (por duas razões: saída de Barrinha e, cada vez, menos força nos seus jogadores enquanto o Boavista cada vez parecia mais poderoso, como ainda porque os boavisteiros subiram, com a entrada de Francisco Mário – em face da sua exibição, não se compreendeu por que não terá jogado desde o início – e a substituição de Carolino.
Então, a actuação do Boavista teve momentos de «festival» e, logo aos dez minutos, poderia ter marcado se o árbitro não tivesse perdoado um «penalty» à equipa da «casa» (claro…). No entanto, viria, depois, o 1-0 e o 2-0 esteve pronto logo a seguir, quando Mané, sozinho, falhou o 2-0 que, desde logo, teria resolvido o desafio. A actuação do Boavista, foi, de tal forma superior, que «até deu» para que Botelho consentisse o «frango» do costume, no lance do 1-1. No entanto, nem mesmo assim, o Tomar conseguiria fugir à derrota, pois a reacção dos homens de Pedroto, graças à sua invulgar condição físico-atlética impôs um domínio avassalador de cujas consequências o Tomar não poderia salvar-se.
Veio o 2-1 e até poderia ter surgido mais um golo sem escandalizar ninguém, tão bem estava Francisco Mário a jogar lá à frente, tão a propósito estava Salvador a explodir quando era preciso, tão bem estava, agora, a defesa a comportar-se graças a ter muito menos trabalho por via da rotunda quebra dos contrários.
Meio-campo e ataque
O Boavista veio confirmar, neste desafio, tudo quanto se tem dito a seu respeito, até a insegurança actual de Botelho, a passar por um momento de forma muito inconsequente. Na defesa, Mário João parece capaz de claudicar quando a equipa for posta em xeque perante adversários mais rápidos, parecendo ainda deficiente a adaptação de Carolino ao lugar. O «miolo» esteve em plano excepcional, com uma actuação sensacional de Alves, o jovem maestro das luvas pretas, muito bem secundado por Celso, a jogar como ainda não lhe víramos.
Na frente, Salvador não joga o tempo todo, mas quando o faz, resolve um jogo. Ontem, resolveu-o de forma portentosa. Francisco Mário fez uma segunda parte excelente, abrindo a defesa contrária de par em par. Mané tem «zero», não por culpa sua, mas porque o treinador resolveu fazer duas substituições ao intervalo, assim correndo o risco de prejudicar o espectáculo, no caso de lesão de algum dos seus jogadores – e Mané acabou o jogo em inferioridade.
Águas, Barrinha, Florival
Do lado contrário, Silva Morais foi culpado no primeiro golo. O guarda-redes tem que se fazer sempre ao lance. Ontem, falhou o golpe de vista e foi o que se viu no primeiro golo.
A defesa passou por grandes dificuldades frente ao ataque contrário, ao qual foi conseguindo fazer frente, de forma nem sempre eficiente. Verberem-se os métodos de Fernandes que merecia, bem cedo, um «cartão vermelho» e nem o «amarelo» lhe foi mostrado…
No meio-campo, fracasso total de Zeca: o seu lugar não é aquele. Barrinha foi uma boa surpresa e Florival também esteve bem.
Nhabola veio trazer mais alguma vivacidade ao ataque do Boavista de que a equipa bem precisava para tentar surpreender Mário João em especial, mas veio enfraquecer ainda mais o «miolo». Raul Águas foi o mais expedito lá na frente, mostrando uma rapidez que até aqui não se lhe via. E é, dentre todos, aquele que tem melhores pés.
Não merecer
Augusto Bailão apenas teve dois erros: o do «penalty» negado ao Boavista e o da contemporização frente aos lances faltos[os] de Fernandes. Quanto ao resto, esteve certo, e não merecia os apupos do público. Antes pelo contrário…».
“A Bola”, 23.09.1974 – Crónica de Jorge Schnitzer