A paixão por uma causa, mais do que um clube ou uma cor, fez-me ser assim.
Inexplicavelmente, fez-me sofrer durante anos, chorar de tristeza e alegria com a mesma intensidade, com o mesmo amor, com a mesma dedicação e devoção com que o faço hoje e farei no futuro.
Sim, é algo que vai mais além do ténue amor por uma camisola, uma bandeira ou um emblema que brilha ao sol e vagueia num verde relvado como uma dança ao som de uma romantica musica que nos embala no mundo do futebol. Vai muito mais além de pertencer a um clube por influencia de alguem ou porque nos ensinaram a sê-lo desde muito pequenos.
È entender o significado de sentir aquele cheiro da relva humida ao entrar no estádio, apreciar o caminhar esgasiado no frenesim daqueles milhares que só param depois de passar a entrada no palco das sensações, é sentir revolta pela revista que nos fazem por trazermos cachecol, boné e camisola do clube, e julgarem-nos marginais de segunda por fazermos parte da curva, é percorrer a escadaria que nos leva a um local parecido com uma plateia e sentir o peso de ser parte de algo que nos dá alma, alegria,dor,felicidade, tristeza.
Sentir que no fim, percorrer-se-á o mesmo caminho,de volta a casa, com emoções imprevisiveis, com o medo, aquele medo da derrota que envergonha as nossas cores.
É caminhar para o nosso lugar, olhando de lado o marcador que ainda nos afaga os sentimentos com um nulo , vazio, que em breve pode ser desfeito e que pedimos divinamente para ser nosso no fim de mais uma batalha.
É aguardar de pernas e mãos trémulas do nervoso miudinho que durante os dias que antecede o périplo nos corta de quando em vez a respiração, nos aperta o peito, nos rouba o apetite e até o sono e nos transporta pelos sonhos deste mundo á parte que só conhece profundamente, quem nele vive e vagueia sem saber muito bem porquê.
É nem sequer querer saber quem manda , quem dita leis, porque o clube é nosso...como um cantico que ouvi há tempos : " somos nós, somos nós...o Boavista somos
nós".
Aqueles sonhos que nos convocam para o nosso clube, do que pode ou não fazer, vivendo intensamente todas as movimentações e comentários á nossa volta.
Percorrer amargamente todo o sentimento de angustia de um qualquer jogo, seja ele determinante ou meramente mais um.
É apreciar o desfraldar das bandeiras, os primeiros canticos amados do nosso lado, odiados no outro, é escutar as risadas dos putos que na bancada passeiam o seu olhar endiabrado e feliz , acompanhando os homens que lá no fundo, no mágico rectangulo, vão preparando o verdadeiro teatro das emoções, num drama que dura pouco mais de hora e meia e nos eleva a uma outra dimensão, que nos convida á exultação e ao gáudio, aoscanticos fanáticos, ao insulto inevitável, quem sabe desculpável por vir do coração, ao aplauso, ao comentário inpensado, ao salto e excitação de uma qualquer chance de golo que fica por marcar e claro, ao interminável e inexplicável delirio da expressão máxima do futebol, que é apreciar o ondular da rede na baliza, ao suave e doce toque da bola, qual objecto capaz de nos fazer esquecer os anseios e angustias da vida, que a muitos roubou já o convivio com os seus entes queridos ,porque entra, ou porque bate no poste, ou porque teimosamente continua a rolar contra a nossa vontade.
É entender o que significa o aguardar de 3 ou 4 minutos mais, que um qualquer árbitro decide conceder, num momento em que vencemos por um golo, contando todos aqueles enormes segundos que parecem horas intermináveis.
É festejar como se fosse sempre a ultima vez, o final de um jogo que nos deixou esgotados, cansados, mas felizes e satisfeitos.
Por isto considero-me um ultra, por isso só eu sei porque faço horas num autocarro enfadonho percorrendo o país de lés a lés, só eu sei o que era fazer contas toda a semana para ver se o dinheiro esticava e dava para o bilhete , só eu sei porque não me calo durante 90 minutos, só eu sei porque choro num golo importante do meu clube, só eu sei porque passo horas debaixo de um temporal num qualquer campo terceiro mundista, gelado com as roupas encharcadas no meu corpo, com fome porque só comi a sandes na auto-estrada, sentindo o frio que me faz adoecer por semanas, perdendo horas de sono, que me fazem viver aturdido nos dias seguintes, e pensando ... porque sou assim?
Foi num destes instantes em que divago um pouco após mais um dia de trabalho, no periodo onde por norma analiso o seu decorrer, que decidi escrever, e no fundo recordar, os meus sentimentos, frustrações e glórias que me acompanharam e acompanham nesta estranha
forma de vida - ser um apaixonado e indefectivel adepto de futebol e até mais do que isso - um Ultra.
Considero-me pertencente a um grupo, algo restrito, daqueles que vivem este fenomeno da forma mais quente, mais sofrida, mais custosa e até mais penosa.
Considero-me um deles, porque de todas as experiencias que vivi, todas as loucuras, vitórias e decepções, me ensinaram durante todos estes anos, a sentir-me recompensado pelo meu clube, o outro grande amor da minha vida...o meu Boavista, os meus Panteras, o meu Mundo, o meu Universo.
Crescer ao seu lado foi a experiencia mais gratificante da minha vida,foi o melhor conselheiro, o melhor contador de histórias que embalaram muitas vezes o meu sono.
Durante anos, senti a triste sensação de nada ganhar, lutar para sentir na pele a traição de perder por ser pequeno, de perder porque o dinheiro ou a influencia jogaram uma vez mais, mais alto.
A sensação de roubo é pior que a sensação de derrota, o grito de revolta que fica preso cá dentro faz eco no nosso dia-a-dia, vive connosco, vive e atormenta-nos.
O sentimento de injustiça é doloroso demais, para quem ama e se dedica.
O auge, a afirmação, o alivio, o grito é a conquista do primeiro grande troféu.. Não há nada como a primeira vez em tudo e no futebol é assim tambem.
É ser adulto e agir como a criança que durante anos não pôde viver o que ali temos, naquele momento que queremos que dure para sempre.
E depois,o convivio com os gigantes deste nobre espectáculo, é um género de sobremesa que saboreamos durante horas , onde vemos os melhores artistas, os melhores maestros, os melhores solistas e nos deliciamos e deleitamos com a sua classe, idolatrando a sua grandeza.
É efectivamente o extase completo e a resposta a todas aquelas perguntas que nos fazemos enquanto nada valemos, enquanto ninguem nada dá por nós.
Mas melhor ainda é sentir que crescemos,é sentir que a dor dos outros nos faz mais fortes, porque esses, uma vez que não conseguem ser melhores do que nós, pelo menos uma vez,
logo vêm tocar os sinos a rebate porque um clube menor , fez o que eles queriam só para
si...e pelo menos uma vez, pelo menos uma vez...fomos os melhores, não fomos os maiores, fomos ... os melhores.
Mas é assim que eu quero, ser menor.
As nossas vitórias são mais gostosas, mais saborosas, mais sofridas mas muito mais festejadas e vividas.
E então comemora-las no Bessa, esse pequeno/grande anfiteatro que me recorda em dias de chuva os terriveis ambientes de um estádio Inglês, com o seu encanto, com o seu fervilhar junto á linha de jogo que faz estarrecer os adversários, com os canticos que ali pairam durante
horas, é o completo manifesto da grandeza de espirito e o orgulho que é ser do Boavista.
Obrigado por me fazeres teu seguidor, como referencia que sempre levarei comigo até ao fim dos meus dias!!
PN FAN ( 2002 )