Estádio do Bessa, no Porto
Árbitro – Carlos Dinis, de Lisboa
BOAVISTA – Barrigana (2); Wilson (2), Mário João (3), Amândio (1) e Lobo (1); Barbosa (3), Alves (3) (73m – Taí (1)) e Francisco Mário (2); Moura («cap.») (3) (Zezinho (2)), Salvador (3) e Mané (2)
U. TOMAR – Silva Morais (2); Carvalho (1), Calado (2), Faustino (1) e Fernandes (1); Barrinha (1) (45m – Florival (1)), Zeca (1) (75m – Camolas (1)), Raul Águas («cap.») (2) e Pavão (1); N’habola (1) e Bolota (1)
1-0 – Alves – 14m
2-0 – Moura – 21m
3-0 – Mané – 66m
4-0 – Salvador – 74m
4-1 – Raul Águas – 76m
5-1 – Zezinho – 78m
6-1 – Mané – 83m
Resultado do 1.º tempo: 2-0.
1-0, aos 14 minutos, após uma jogada de insistência de Mané (surgida a passe de Salvador), do lado esquerdo do seu ataque, o brasileiro conseguiu levar a melhor sobre Fernandes, centrando depois, rasteiro. Silva Morais não conseguiu interceptar o lance, assim como os seus camaradas de defesa e Alves, à vontade, próximo da marca de grande penalidade, rematou para a baliza deserta.
2-0: Barbosa do lado direito escapou-se a Fernandes e centrou para Moura. Este, em excelente posição, rematou, mas o esférico bateu em Faustino, ganhando Moura o ressalto e rematando (pareceu-nos que queria passar a Salvador, melhor colocado do que ele) de tal modo que a bola embateu no corpo de Silva Morais, acabando por entrar. Estavam passados 21 minutos.
Resultado do 2.º tempo: 4-1.
3-0: por Mané. «Canto» apontado por Alves e toque subtil do brasileiro a roçar a bola com a cabeça e a enfiá-la na baliza, apesar do esforço do guarda-redes tomarense, quando eram decorridos 66 minutos.
4-0: oito minutos depois, 74 portanto, jogada de Barbosa para Salvador, este amortece a bola com o peito, correndo velozmente com ela à sua frente, deixando para trás dois adversários e, driblando Silva Morais, (que, entretanto, tinha acorrido à jogada), rematou em jeito para o fundo da baliza.
4-1: aos 76 minutos, «tabelinha» entre Faustino, Bolota e Raul Águas e remate imparável deste, que, entretanto, encontrou Barrigana ligeiramente adiantado.
5-1: Combinação entre Francisco Mário e Zézinho, fuga rápida e… mais um golo, – estava-se no minuto 78.
6-1: Passe de Salvador do centro do meio-campo adversário para a direita, onde se encontrava Zezinho, que corre até à linha de cabeceira donde centrou (mal), Silva Morais defendeu, largou e surgiu Mané, oportuníssimo (como sempre), fazendo o golo e fechando, deste modo, a conta. Foi aos 83 minutos.
Substituições:
No União de Tomar, Florival (1) entrou no início do 2.º tempo, para o lugar de Barrinha; e Camolas (1), aos 75 m, substituiu Zeca.
Na equipa do Boavista, Zezinho (2) foi para o lugar de Moura, endossando este a braçadeira de «capitão» a Mário João, e, aos 73 m, saiu Alves, entrando Taí (1).
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Num terreno totalmente encharcado, lamacento, pesado, nada próprio para jogadores tecnicistas, não se esperaria que o Boavista fizesse tão boa exibição. Mas o certo é que, efectivamente, isso aconteceu, como corolário natural de uma cuidada preparação e também, evidentemente, da boa craveira técnica dos elementos que compõem este Boavista que, agora sim, merece sem dúvida este epíteto.
José Maria Pedroto conseguiu, enfim, que os seus comandados assimilassem as suas ideias: ideias práticas, modernas, sem grandes condicionalismos, perfeitas, enquadradas naquilo a que se chama futebol moderno ou… futebol total.
Minutos antes do encontro, fortes bátegas de água acompanhadas de vento, varreram o Estádio do Bessa, esperando-se, por isso, que afugentasse o público, que estaria na disposição de, numa tarde invernosa, ir ao futebol. Se bem que não estivesse cheio, estava realmente uma boa «casa», bem composta de adeptos boavisteiros, que, naturalmente, sairam satisfeitos com a exibição da sua equipa. Mais dois pontos conquistados, perante uma equipa fraca, bastante fraca mesmo, nomeadamente o seu sector defensivo, que nunca se houve com acerto, perante o talento e a impetuosidade dos avançados portuenses.
O União de Tomar baqueou, como se esperava que baqueasse, mas não tão estrondosamente pois «goleadas» destas já não se usam no futebol actual. É certo que os tomarenses não se remeteram a um sistema defensivo (e honra lhes seja feita). Jogando o jogo pelo jogo, apesar de terem, apenas, dois homens na frente, N’habola e Bolota, por vezes apoiados com a inclusão de Pavão, mas sem grandes resultados práticos, mormente uma ou outra perturbação dos defesas «axadrezados».
Estamos convertidos no entanto, que, se os tomarenses se conseguissem equilibrar melhor naquele charco (principalmente Raul Águas) e se fossem mais ousados, talvez o Boavista sofresse um pouco mais. Baseamo-nos numa certa insegurança notada em Barrigana e Amândio e, ainda, em Lobo (este menos mau).
Alves – Um jogador com «senhoria»
Com o Boavista francamente lançado ao ataque e com os seus avançados em dia sim, cedo se adivinhou que o primeiro golo não tardaria muito. Já com a equipa de Pedroto afanosa e sofregamente na procura do tónico ideal e preponderante para estas campanhas futebolísticas – o golo -, surgiu uma «perdida» de Moura, após um toque de cabeça de Salvador, a que Calado pôs termo. Depois, os lances de aflição, junto à baliza do União, sucederam-se.
Tentou a equipa de Tomar saltar para a frente, sacudir a pressão do adversário, mas, embora despachasse o esférico lá para diante, era notória a incapacidade do seu meio-campo e dos avançados (em comparação com o meio-campo do adversário) para fomentar esse ideal – o de também ir para a frente.
Mas, passados 14 minutos, Alves, um jogador que possui «senhoria» no futebol nacional, abriu o activo. Estava encontrado o caminho da baliza do União de Tomar. Um golo inteiramente merecido, porquanto era por demais evidente o ascendente dos boavisteiros. De tal modo assim era que Barrigana teve de fazer exercícios de aquecimento, para não esfriar. Poder-se-á referir que não havia motivos para aquecer…
Certo que, com o terreno naquele estado, a bola não rolava e os passes atrasados aos guarda-redes tornavam-se extremamente perigosos. Certo, também, que os jogadores de ambas as equipas não caíram nesse erro. Mas, conforme íamos a dizer, a bola não rolava, ficava presa nas poças de água que se formaram com a chuva copiosa que caiu antes do encontro, o que, como é evidente, dificultava ao máximo a tarefa dos jogadores mais tecnicistas, mais em jeito do que em força, que, francamente, não eram nada favorecidos. Por isso, a nossa admiração por vermos o bom jogo que Alves realizou, o qual conseguiu sempre escapulir-se por entre os adversários como se enguia fosse. Uns pés maravilhosos, comandados por uma cabeça inteligente, com rara visão de jogo, não errando um passe, jogando e fazendo jogar.
Depois do segundo golo, obtido por Moura e festejado efusivamente (refira-se que esta reaparição de Moura foi bastante feliz), teve o Boavista uma excelente jogada, que culminou com um poderoso remate de Salvador, defendido por Silva Morais (por instinto, quanto a nós).
O Boavista nunca permitiu veleidades
O Boavista continuou à procura de aumentar a vantagem, com Alves, Moura, Salvador e Mané, que do centro, da esquerda ou da direita rematavam, na mira de surpreenderem Silva Morais. Os centros de Wilson, de Barbosa e de Francisco Mário, puseram a defesa do União de Tomar num frangalho, onde apenas Calado se salientava nos cortes de cabeça. Efectivamente, todos os seus outros camaradas da defesa, viam-se impotentes para conter a avalancha de jogo dos adversários. Embora voluntariosos, Carvalho, Faustino e Fernandes deram o seu melhor, que ficou muito aquém do melhor dos outros. No meio-campo, Zeca teve uma actuação apagada. Talvez, quanto a nós, o seu lugar certo seja no sector mais recuado, onde se sentirá mais à vontade, mais rotinado.
Como referimos, apenas Bolota e N’habola estavam na frente, mas, totalmente desamparados, sem qualquer hipótese de competir em igualdade de circunstâncias. Raul Águas vinha de quando em vez à frente e Pavão e Barrinha andavam por sectores mais recuados. Mas, mesmo actuando nestas circunstâncias, o União poderia ter feito um golo numa jogada em que uma cabeça de Bolota para N’habola, poderia ter resultado, porque Barrigana não teve decisão. Reagiu um pouco tarde, mas ainda foi a tempo.
Esta (e outra que referiremos adiante) a única jogada de verdadeiro perigo (mais consentida do que produzida), que a equipa tomarense teve ao longo dos primeiros quarenta e cinco minutos. Até porque o Boavista não lhe permitia grandes veleidades, dado que a rapidez estonteante dos seus jogadores, que se adaptaram muito bem às condições do terreno, foi, sem dúvida, uma surpresa para os tomarenses. E então Moura, que animou extraordinariamente depois do golo, ganhando alegria, confiança e, até, inspiração, poderia ter elevado o «score», não fosse, por vezes, uma certa indecisão na parte final de algumas jogadas. O que não acontecia com Mané, que ia a todas, mas também sem conseguir o seu objectivo.
O União merecia mais
Esperava-se algo mais dos nabantinos para a segunda parte. E, no fim de contas, esse algo mais até surgiu. Materializado n[a] forma de um golo. Demasiado escasso, talvez, para as pretensões tomarenses, mas, refira-se, que também em função daquilo que efectuaram pouco mais mereciam. Apesar da entrada de Florival para o lugar de Barrinha, ganhando o Tomar um pouco mais de acutilância na sua frente atacante e, posteriormente, a de Camolas que substituiu Zeca, não logrou, contudo criar situações perigosas, maior ascendente do que o seu adversário. E porquê? Exactamente porque o Boavista continuou no mesmo ritmo desenfreado, nas «galopadas» vigorosas, com que tinha disputado o primeiro tempo. E as situações confusas na área tomarense surgiram no mesmo ritmo e com a mesma constância. E, na retaguarda do União de Tomar, o «salve-se quem puder», com despachos desordenados, com más entregas de bola, que quase sempre só aproveitavam aos «axadrezados».
«Amoleceu» um pouco o encontro, talvez devido à larga supremacia evidenciada pelos portuenses, de tal modo que, por breves espaços, a monotonia chegou a instalar-se no Bessa, mas logo surgiram os golos, para despertar bocas e corações, retirá-los assim, do torpor em que estavam a ser envolvidos. Entretanto, Zezinho entrou para a posição de Moura (que nos pareceu bastante cansado) e Taí posteriormente para o lugar de Alves. As correrias daqueles dois (bastante frescos), mais desbarataram os defesas tomarenses, que não sabiam já a quem marcar, porquanto os jogadores boavisteiros andaram numa roda viva, numa lufa-lufa constante, muito de apreciar num bom profissional de futebol. Surgiram os golos e, a título de curiosidade, poderemos referir que o Boavista marcou quatro em 15 minutos a uma equipa que empatou, em «casa», com o Benfica, recentemente. É evidente que, ao fazermos esta comparação (e toda a comparação é antipática), não significa que o Tomar (em face dos seis golos que sofreu) seja uma equipa difícil. Quanto a nós e independentemente daqueles resultados, o Tomar foi, em relação a este Boavista, que, no actual espaço-tempo do contexto futebolístico nacional, foi uma potência, um adversário fácil. Fácil e frágil, denunciando uma certa incapacidade física que foi flagrante naquele terreno pesadão e lamacento, que trouxe ao de cima muitas deficiências. Poderá ter sido um jogo mau (como todas as equipas têm) até porque há lá dentro e independentemente do valor das jogadas, um treinador, Artur Santos, que sabe da poda.
Mas, em nossa opinião, não foi esse o julgamento que fizemos. Limitações existem, como toda a gente sabe, mas para além disso muitos ângulos que precisam de ser devidamente burilados. Uma palavra para Silva Morais que, apesar dos seis golos sofridos, efectuou excelentes defesas.
Em relação à equipa do Boavista, diremos que está a fazer aquilo que se esperaria que fizesse. A equipa tem futebol no «sangue» e é servida por gente que joga admiravelmente, para além de estar superiormente dirigida. Sábado, terá realizado uma das suas melhores exibições, mas, aquela defesa, não nos agradou totalmente, onde apenas Barrigana, Mário João (o costume) e Wilson estiveram totalmente bem.
Na frente, todos muito bem, incluindo ainda Zezinho. Taí não esteve tão certo quanto os outros, mas refira-se que cumpriu a contento, apesar de pouco solicitado.
Arbitragem impecável
Carlos Dinis fez uma arbitragem impecável. Não lhe criaram casos (num jogo aliás bastante correcto) nem ele os criou, assim como os seus auxiliares que o acompanharam devidamente. Muito bem.
(“A Bola”, 20.01.1975 – Crónica de António Paulos)